A Alternativa Fenomenal #29: Wrestling Britânico (Parte 1)
Saudações a todos, e bem-vindos a mais uma Alternativa Fenomenal. Acredito que muitos dos leitores devem conhecer e apreciar os diferentes estilos de combate apresentados nas companhias americanas, mexicanas ou japonesas, possuindo suas respectivas preferências a respeito das mesmas. Porém, também acredito que poucos acompanhem as promotoras europeias de luta livre, cujo estilo de combate tende a ser mais duro e técnico.
Pensando nisso, hoje apresentarei a vocês, na primeira parte deste artigo, a história do wrestling no Reino Unido, um dos maiores expoentes da modalidade na Europa, onde várias grandes estrelas do passado e da atualidade foram criadas. Sem mais delongas, passemos ao artigo;
O wrestling no Reino Unido começou a ser desenvolvido no começo do século XX, inicialmente como uma atração para diversificar apresentações de halterofilismo, que continham um nível de ação muito pequeno. Tal uso da luta livre acabou por tornar-se bem aceito, e com isso alguns lutadores praticantes da luta greco-romana (o wrestling amador) acabaram por vir para o país para participar de combates e eventos relativos ao "desporto".
Um desses lutadores, foi o russo Georg Hackenschmidt, um grappler que em pouco tempo havia ganho destaque no cenário de lutas inglês. Georg foi um dos responsáveis pela introdução dos elementos de atuação na luta livre, pois este possuía um estilo de luta muito dominante, o que poderia diminuir o interesse do público, visto que ele sempre vencia seus oponentes com folga. Isto fez com que seu promoter, Charles Cochran, o pedisse para que apendesse elementos de atuação com Tom Cannon (lutador de quem Georg havia ganho o cinturão de campeão europeu) e que combatesse mais por entretenimento do que por esporte, comportamento típico do "sports-entertainement".
Georg Hackenschmidt, um dos popularizadores do wrestling no Reino Unido
Infelizmente, a cena de wrestling britânica acabou por entrar em um abrupto declínio quando várias grandes estrelas (Georg incluso), deixaram o Reino Unido para se estabelecerem nos Estados Unidos, até que a 1ª Guerra Mundial teve inicio, em 1914, e as atividades relacionadas ao negócio foram completamente paralisadas.
O wrestling profissional só voltou a ter algum destaque na década de 1930, quando elementos do estilo americano, com o uso de gimmicks e atuação foram adicionados ao catch wrestling britânico (estilo de luta livre voltado ao uso de submissões, com inúmeras variantes), usado em detrimento à luta greco-romana, que era a base do estilo americano. A popularização do catch como esporte legítimo, várias estrelas em potencial foram surgindo no Reino Unido.
Abaixo um vídeo de um combate de catch wrestling realizado em 1903, entre dois jovens praticantes da modalidade;
Cartaz mostrando algumas das submissões do catch wrestling
Entretanto, com a crescente demanda por espetáculos de wrestling, uma baixa na quantidade de lutadores com habilidade suficiente foi criada, e para remediar esta situação, muitos promotores (Oakley incluso) começaram a incluir estilos mais violentos de combate, onde o uso de armas diversas foi adicionado (naquilo que pode ser considerado como os primórdios do hardcore wrestling), além da presença constante de lutadoras femininas e do uso de ringues cobertos de lama. Esses fatos levaram a que, em torno de 1937, o Conselho do Condado de Londres banisse a prática do wrestling profissional, o que quase encerrou o negócio no Reino Unido.
Após o final da 2ª Guerra Mundial, em 1947, foi realizada uma tentativa de relançar a luta livre no território britânico, com uma apresentação na Harringay Arena, em Middlesex, porém a imprensa condenou pesadamente o show, chamando-o de enganação devido a natureza roteirizada das lutas. Esse foi o estopim para que o Almirante-Chefe Edwards Evans, fã declarado de pro-wrestling, junto à personalidade do rádio Archbald Campbell, o político Maurice Webb e o promotor e lutador Norman Morell, formassem um comitê que tinha como objetivo formalizar o wrestling profissional no Reino Unido através de um conjunto unificado de regras, a ser seguido por todas as promotoras do país.
Almirante-Chefe Edward Evans, líder do comitê
As então chamadas Regras de Mountevans (nomeadas com o título de Edward, Barão de Mountevans), definiam a divisão dos lutadores em categorias de peso, indo de lightweight (70 kg) até heavyweight (a partir dos 90kg), duração dos combates, e as formas de vitória nos mesmos. O conjunto de regras foi largamente aceito, e os promotores deixaram de lado o "All-in" wrestling, fazendo com que a imagem de que os shows eram falsos ficasse um pouco mais fraca.
Após a aceitação da regulamentação, o passo seguinte dos promotores foi o estabelecimento de um cartel, nos mesmos moldes da NWA dos Estados Unidos, que serviria tanto para regular a prática do wrestling e oferecer total apoio ao comitê de Mountevans, como para manter o controle do negócio nas mãos desses promotores. Esta aliança, iniciada em 1952, recebeu o nome de Joint Promotions.
Em sua primeira década e meia de existência, a JP provou-se um grande sucesso para os promotores, pois os mesmos possuíam um acordo para troca de talentos e bloqueio de promoções rivais (isto é, impedir que estas conseguissem bons locais para apresentações), o que levou o cartel a realizar até 40 shows semanais, e ajudou seus membros a sobreviverem aos tempos difíceis da época do pós-guerra. A aliança tornou-se a principal força do wrestling inglês em 1954, quando após o fechamento da Harringay Arena, Atholl Oakley decidiu retirar-se do negócio da luta livre.
Um dos atos mais famosos da Joint Promotions, foi o estabelecimento e o controle de campeonatos baseados nas definições do comitê de Mountevans. A princípio, o estabelecimento deste cinturões mostrou bastante rentável, pois apresentações com title matches possuíam preços de entrada mais altos, entretanto, o cartel começou a abusar dessa mecânica, e em pouco tempo começaram a criar inúmeros títulos , tanto regionais como nacionais, fazendo com que em um dado momento a JP tivesse sob sua tutela 70 diferentes campeões, sendo que apenas 3 desses títulos (campeonatos Britânico, Europeu e Mundial) possuíam verdadeira importância.
Apesar do sucesso conquistado com as disputas por cinturão, o wrestling firmou-se novamente no território britânico através das transmissões televisivas, onde o primeiro evento transmitido, em 9 de novembro de 1955, pelas emissoras ABC e ATV (filiadas à ITV Network, uma das maiores da Grã-Bretanha), mostrou-se um sucesso de audiência. Devido aos resultados obtidos, eventos de luta livre passaram a ser transmitidos semanalmente o período do outono à primavera, até que em 1964, ele tornou-se uma das principais atrações fixas do programa World of Sports, um dos mais influentes programas esportivos da época.
Abaixo, a abertura e o encerramento das transmissões de wrestling da World of Sport na década de 1980.
Um fato interessante, foi que os combates de tag team acabaram se tornando extremamente populares, e sua transmissão televisionada acabou sendo restrita a apenas algumas lutas por ano para mantê-los como uma atração especial. Também tentou-se estabelecer a competição entre mini-lutadores, mas não houve tanta adesão do público e a utilização dos mesmos foi descontinuada.
Junto com as exibições televisionadas de wrestling da JP, companhias que atuavam independentemente também receberam uma grande oportunidade, em especial, a British Wrestling Federation, grupo de promotores liderados pelo australiano Paul Lincoln, cujo principal competidor era o ex-campeão britânico da Joint Promotions, Bert Assirati. Após Assirati ter deixado o cinturão vago, após sofrer uma lesão, em 1960, o grupo passou a utilizar Shirley Crabtree, novo campeão britânico, como sua nova grande estrela.
Shirley Crabtree durante seus primeiro anos como profissional
Entretanto, a vida da BWF foi curta, pois Assirati iniciaria uma campanha para acabar com Crabtree, aparecendo em shows sem ser bookado e realizando desafios ao campeão de tal forma, que em 1966 Crabtree foi forçado a se retirar das competições, fazendo com que o grupo perdesse prestígio, e acabasse sendo comprado pela Joint Promotions ao final da década de 1960. A própria JP, em 1969, deixaria de ser um cartel e se tornaria uma empresa única, sob a liderança de Jarvis Astaire.
O problema derivado do fato da JP se tornar uma empresa, acabou sendo a saída de vários de seus membros fundadores, e as diversas vezes em que promotores diferentes adquiriram a companhia, fazendo com que pessoas de pouca experiência no negócio liderassem a até então líder no mercado do Reino Unido, levando a JP a quase falir em 1975.
A situação mudou apenas quando Max Crabtree, irmão de Shirley Crabtree, assumiu a presidência da Joint Promotions, revitalizando a indústria ao criar a gimmick de Big Daddy para seu irmão Shirley. Big Daddy era um heel notável, tendo construído seu nome com uma parceria com seu futuro rival Giant Haystacks, e uma feud contra o também heel Kendo Nagasaki, sendo que em 1977, ele realiza uma face turn que o tornou num dos mais adorados lutadores na história do wrestling britânico, conseguindo vitórias sobre todos os maiores heels da época (apesar de muitas destas vitórias terem sido em combates muito curtos, devido ao péssimo condicionamento físico de Crabtree).
Novamente, a promotora veio a perder o interesse dos espectadores, por sua opção de focar exclusivamente em um único lutador (a tática foi boa para a televisão, mas não ajudou nos eventos ao vivo), além de terem que arcar com a saída de vários atletas insatisfeitos com seu posicionamento na empresa, com muitos indo para fora do Reino Unido, e juntando-se a empresas como a Stampede Wrestling, no Canadá, e a New Japan.
Cartaz promovendo um dos combates tag team de Big Daddy, onde ele enfrentou o futuro lutador da WWE Finlay
A Joint Promotions ainda arcaria com o fim do programa World of Sports, perdendo tempo de transmissão a cada semana, mesmo seguindo com um programa próprio, perdendo sua audiência aos poucos, e sofrendo ainda com o compartilhamento dos direitos de transmissão rotativa com a All Star e com a recém-chegada WWF.
Já a All Star conseguiu usufruir melhor desse período, quando eles tiveram um contrato televisivo de 2 anos, ao construir um retornado Kendo Nagasaki como seu principal heel, e o colocando em grandes rivalidades com nomes como "Rollerball" Mark Rocco e Robbie Brookside. Quando o contrato de transmissão expirou, muitas das storylines ficaram em aberto, e a ASW aproveitou-se disso para seguir um modelo de storytelling focado em desenvolver rivalidades nos eventos ao vivo. Isso provou-se um grande sucesso com os fãs mais hardcore da companhia, tendo sido apresentadas rivalidades entre Nagasaki, Rocco, Giant Haystacks, Dave "Fit" Finlay (o mesmo da WWE), entre outros.
Outras empresa continuaram a apostar no wrestling tradicional do país como uma alternativa ao produto da ASW (que consideravam como um produto menos sério), como a The Wrestling Alliance (que travou uma disputa ferrenha com a ASW até sua falência em 2003), a Revolution British Wrestling (que teve apenas 5 anos de vida), e a LDN Wrestling (famosa por sua escola de wrestling).
Dessas empresas, algumas das mais notáveis acabaram levando seus nomes para além do território britânico, tornando a si e a seus lutadores mundialmente conhecidos. Graças a elas, lutadores como Doug Williams, Nigel McGuinnes, PAC (Neville na WWE), Britani Knight (Paige na WWE), Rockstar Spud, Will Osprey, Marty Scrull, e muitos outros, puderam mostrar ao mundo a qualidade da nova geração da luta livre britânica, e é sobre estas promotoras que falarei na segunda parte deste artigo. Uma boa leitura a todos, e até a próxima.
Bem, normalmente não costumo escrever nenhum texto adicional nos meus artigos, mas como nesta edição ocorreram muitas "primeiras vezes", creio que seja necessário que eu escreva alguns parágrafos extras.
Primeiramente gostaria de pedir desculpas pela demora na postagem deste artigo, sendo esta a primeira vez que a coluna virá com atraso. Tive alguns problemas com relação a tempo e aos meus estudos na faculdade, e demorei mais do que o previsto para escrever essa edição. Além disso, como puderam perceber, esta foi uma das edições mais longas deste quadro, e a primeira a ser dividida em duas partes por questão de tamanho.
Além disso, há algum tempo atrás, completei um ano trabalhando em conjunto com o blog, mas ainda não havia pensado em fazer nada de especial até ter a ideia de escrever este artigo, que é meu especial de um ano. Ele acabou ficando muito grande, mas o escrevi como uma forma de agradecer aos leitores que acompanham meu trabalho por aqui, e desejam conhecer mais sobre o wrestling no mundo exterior à WWE.
Já falando em agradecimentos, gostaria de agradecer aos administradores do blog, Fabinho e Beowolf, por terem me cedido este espaço e por toda a ajuda que me deram para construir e melhorar a qualidade de meus textos. Também gostaria de agradecer aos meus colegas de blog e a todos os leitores, por me darem a honra de tê-los acompanhando esta coluna, e por todas as sugestões e críticas construtivas que me ofereceram.
Espero poder continuar apresentando a todos um pouco sobre a luta livre ao redor do mundo, e aumentar seu interesse em conhecer mais sobre o nosso "esporte" favorito. Muito obrigado por sua atenção, tenham todos uma boa leitura, e (dessa vez sim) até a próxima.